Antes de ser cozinheira, antes de ser uma estudante de
letras, antes de qualquer coisa eu fui uma menina que caminhava até a horta da
sua infância, arrancava as cenouras da terra pelo talo, que, ainda com o cheiro
do solo e alguma sujeira, mastigava com prazer incomparável. Portanto não é de
se estranhar que quando sonhava com o meu restaurante, sonhasse junto com as
verduras orgânicas, fresquinhas que viriam abastecer a cozinha de primor botânico.
Plantei uma horta nos fundos do restaurante, que, coitada, por falta de sol e
tamanho consegue ser apenas uma acanhado símbolo do que um dia eu sonhei.
Obviamente eu sabia que jamais conseguiria produzir os ingredientes que eu
precisava ali e desde o primeiro dia procurei produtores de hortaliças
orgânicas para o Chou. Essa busca, no entanto, se mostrou uma das mais difíceis
e complicadas. Depois de quatro anos, tendo trabalhado com distribuidores que
faliram, mudaram de país, fecharam as portas, fiquei muito feliz quando bateu
na nossa porta um moço com o cartão de um produtor de orgânicos que disse que
conseguiria nos entregar os produtos diretamente, duas vezes por semana!
Domingo passado
fomos visitar a fazenda, com sua bonita horta em declive, e uma mata nativa
juntinho, juntinho. David nos mostrou orgulhoso a pilha de composto, nos contou
de todo o trabalho para recuperar o solo, nos falou dos repelentes naturais,
dos inimigos do tomate, das plantas companheiras, nos mostrou o manjericão que
tinha plantado só pra gente. Caminhamos entre as fileiras de repolho, de
salsinha, de erva doce escutando sobre o trabalho de alguém que acredita
integralmente no que faz, e o faz com tremendo carinho. Sentimos o calor da
vida se transformando dentro do composto, comemos rúcula recém arrancada do
chão, vimos o estrago que a chuva fez nas couve flores e entendemos uma vez
mais porque é tão importante privilegiar os produtos e os produtores orgânicos.
Nos emocionamos com um rabanete, falamos sobre a dificuldade de trabalhar apenas com os ingredientes da estação, comemos salada de tomate colhido ali mesmo e fomos embora contentes e orgulhosas, sabendo que o sonho tinha se tornado realidade.