Um dia desses alguém que conheço faz tempo me escreveu contando como havia esquecido da vida cozinhando e comendo um prosaico xinxim de galinha. Fiquei pensando que dentre todos os benefícios de cozinhar talvez um dos mais preciosos seja a dádiva de nos fazer esquecer da vida. Picar uma cebola com cuidado, vigiar as batatas dourando lentamente, lavar o arroz, os grãos escorrendo entre a água e os dedos: pequenos gestos manuais que nos distraem do pesado fardo das nossas obsessões cotidianas, nos afastam, ainda que temporariamente do inexorável fluxo dos nossos deveres. Já muito se falou das qualidades amnésicas do comer e a capacidade transportadora dos sabores está devidamente documentada, mas ainda falta atribuir o crédito devido ao antigo ato de preparar a comida: como tantas outras atividades puramente manuais, esse é um ritual de olvido, um modo de rezar com as mãos para esquecer da vida e lembrar somente do que o nosso estômago deseja.