Desde muito antes da tradição bíblica conectar o oferecimento de comida a coisas sagradas, a partilha do sal, do pão e do vinho já estava envolta em significado e mística para muitas e muitas culturas.
Ainda hoje, repetimos cerimônias que removidas de seu contexto e dissolvidas pelo Tempo, se esvaziaram de sentido, transformaram-se em pálidas mímicas de algo que alguma vez foi poderoso e profundo.
A minha busca, minha Cruzada é a de alguma forma resgatar senão a mística específica envolvendo o ato de compartilhar e servir comida, ao menos o sentimento sagrado de celebração, partilha e simplicidade.
Meu espírito, mais do que meu corpo, se cansou da interminável “degustação gastronômica”, da sofisticada experimentação técnica e visual que é tão característica da culinária atual, ainda que também essa direção seja tão antiga quanto o Império Romano!
Para mim, uma refeição que aplaque minha fome tanto física quanto emocional, é uma que seja simples em forma, despretensiosa, abundante, variada, fresca, vibrante no sabor, servida com alegria, cuidado e sem arrogância e, sobretudo, desfrutada com abandono.
Nada da pompa e circunstância, e do fastidioso trabalho para deslumbrar o comensal. Nada de complicadas concocções e estruturas artísticas no prato. Nada de espumas ou reduções para mim. O que o meu espírito anseia é um bom e honesto prato de verduras assadas, frescas e luminosas em seu apogeu botânico; um quente e reconfortante purê de batatas, cremoso com manteiga e noz moscada; um suculento assado, absurdamente macio em sua simplicidade purista, um pedaço de um excelente queijo artesanal, singelamente acompanhado de uma fatia doce e crocante de fruta. Simplicidade e qualidade numa travessa de salada.
Bom vinho, bom café. Música para apaziguar as pressas. Pão crocante e quente para confortar a alma. E se tudo for servido com calidez e honestidade, se a companhia for divertida ou amável, então temos que nos perguntar, como Sêneca: quando hemos de viver, senão agora?