Rosy L. Bornhausen. Se alguém me perguntar quem foi minha maior influência profissional, esse é o nome que eu darei. Rosy não era cozinheira profissional, nem profissionalizada em coisa nenhuma até onde eu saiba, mas ela escreveu um livro que semeou na minha vida o gérmen do que viria a ser minha relação com comida, o cerne do meu sentir profissional.
Meu pai que era absolutamente sovina para tudo relacionado a consumo abria uma generosa excessão para livros, sorte a minha que podia ir até a Bienal do Livro e trazer pra casa uma mini montanha de títulos. Em uma dessas ocasiões, eu trouxe o livro da Rosy com a intenção de presenteá-lo a minha mãe, até dedicatória eu escrevi mas o livro nunca deixou a cabeceira da minha cama.
Ervas do Sítio era um livro adorável para uma menina de 12 anos que morava em um sítio, tinha ervas ali à disposição, recheado com as amáveis ilustrações da Maria Eugenia Longo Cabello (olha esse nome que incrível). Para uma menina que não tinha internet nem vizinhos para brincar, achar algo para gastar seu tempo era essencial, e no meu caso, eram os livros e revistas que guardavam o tesouro de um mundo novo, um mundo que fosse acessível desde o isolamento da fazenda, que fosse possível desvendar com os materiais que eu encontrasse ali. As revistas de cozinha da minha mãe eram sempre uma porta interessante, mas para realizar as receitas muitas vezes eu não encontrava os ingredientes na despensa e o tempo do fazer era frustrado e subjugado à próxima ida ao supermercado.
O livro de Bornhausen descortinou para mim um mundo que estava bem embaixo do meu nariz mas eu nunca tinha percebido propriamente. Ali, a poucos metros da porta da cozinha estava um pé de alecrim que, Rosy me ensinou, era usado nas grinaldas das noivas para dar sorte e nos enterros para dar paz ao morto. Bom para os rins, equilibra a pressão arterial, auxilia a digestão, alivia a depressão e estimula a memória,. Embaixo do travesseiro, afasta os maus sonhos.
Alguns passos para o lado e eu encontrava hortelã, e mais uma vez, Rosy me ensinou. Seu nome científico é mentha-piperita e é boa para mordidas de insetos, dores de cabeça e febre. É praticamente sagrada para os árabes e abundante em suas casas e cozinhas. Atrai dinheiro e prosperidade.
Tanta riqueza crescendo ali na terra do meu jardim era inebriante. Fiquei obcecada. Fazia xampus, loções, pomadas e águas floridas seguindo as receitas que ela fornece no final do livro. Prensava as ervas dentro dos livros e imitava os desenhos da Maria Eugenia, escrevendo embaixo os nomes científicos. Nunca mais abandonei meu culto a esses milagres perfumados da natureza, minha comida sempre tem um punhadinho ou um punhadão de ervas frescas. Uma piada recorrente entre a equipe do Chou é que todos os pratos levam hortelã.
Sálvia, coentro, manjerona, orégano, tomilho, louro, salsinha, hortelã, alecrim, endro, manjericão, cebolinha, menta, cidreira, poejo. Não sei cozinhar sem ervas, ou como a gente chama no Brasil, tempero. Afinal, cebolinha e salsinha são cheiro verde, e é isso mesmo, a comida precisa de um cheirinho verde, fresco, pungente da sálvia ás vezes, límpido e vibrante da hortelã em outras. Quem tem um herbário tem uma farmácia em casa: tem salsinha picada pra colocar nos cortes, tem hortelã pra chá de digestão, tem sálvia para defumar a casa toda espantando os fantasmas e os receios.
Sim, espantar os fantasmas. Porque além de cozinheira e devota das ervas para fins medicinais e cosméticos, eu, por causa da Rosy virei queimadora de ervas, crente e praticante da Sagrada Religião dos Matinhos Cheirosos, bem hippie mesmo. Penduro ramos de alecrim e arruda amarrados com uma fita vermelha atrás da porta de entrada do Chou há 13 anos!!! Muitos clientes já devem ter me visto queimando lavanda e arruda nos braseiros do salão.
Para quem é muito atéia, acreditar em poderes mágicos das plantas pode parecer contraditório. Mas não me incomodo com contradições e me apóio, mais uma vez, na lógica da dona Rosy: “Dormir sobre alguns ramos (de lavanda) também acaba com toda a depressão, e um banho bem cheiroso de flores e folhas é considerado o purificador ideal. É a limpeza do corpo levando pureza e serenidade ao espírito. As histórias mágicas sempre oferecem um elemento que é o ponto de ligação entre a realidade e o sonho. Nas plantas este elemento é na maioria das vezes seu poder anti-séptico e germicida. É uma associação muito lógica entre o limpo e o bom”. Sem falar que o cheiro é incrível.