Eu não procuro esconder de ninguém que sou um tanto obcecada por M.F.K. Fisher e muitas vezes me descubro perigosamente perto de plagiá-la, coisa que qualquer leitor atento e conhecedor das suas linhas já poderia ter percebido em meus escritos.
Há outras charmosas escritoras gastronômicas, claro, e acho que a santíssima trindade do século vinte seria composta por Julia Child, Elizabeth David e Fisher. Mas apesar da sagacidade prática e intrinsecamente americana de Child, a elegância sensível e inglesa de David; Fisher ainda é para mim a melhor escritora das três, destilando linhas de qualidade literária comparáveis aos Grandes. Talvez eu concorde mesmo com o poeta W. H. Auden, para quem Fisher era a melhor escritora de sua época, não apenas escritora gastronômica, mas escritora e ponto.
Ou talvez eu inveje um pouco essa mulher que nasceu no dia anterior ao meu aniversário, guia que era de seus próprios desejos, prisioneira e rainha de suas idiossincrasias, alguém que foi capaz de se orgulhar de sua “ solidão misantrópica aconchegante”, como ela mesmo colocara.
A verdade é que Fisher dizia não escrever sobre comida e sim sobre a fome, fome de amor, compreensão, fome de conhecimento, as fomes primordiais que nos definem como indivíduos. E o fazia de maneira prolífica e extremamente sensível. Tinha uma relação sensual e profunda com a comida, e ainda assim, momentos de praticidade quase perversa. Acho que a grande prova de que Fisher não era apenas uma escritora gastronômica é que ela não apenas dava receitas de pratos admiráveis, mas muitas vezes fornecia instruções para concocções que ela considerava abomináveis, mas que de alguma maneira serviam para ensinar algo, ainda que por contraste: leveza, elegância ou sensibilidade. As aceitava e incluía como quem aceita que da vida fazem parte a saciedade e a fome, com bastante sorte, em partes iguais.