As vezes a realidade não dá conta de ilustrar com as cores necessárias o espectro completo das nossas mitologias pessoais. Eu, por exemplo, tenho gostado cada dia mais da minha nova e recém inventada ascendência: mãe italiana e pai turco, os dois se casam na Grécia e eu finalmente nasço no Chipre. Como o Léolo do filme de Jean-Claude Lauzon, que tendo nascido na fria Montreal, insistia que era na realidade italiano, e que sua mãe fora fecundada por um tomate; me autobatizo e escolhendo o meu passado, de certa forma, decido meu destino.
Mas ainda que o Mediterrâneo passe longe da minha linha genealógica ele é o centro das minhas atenções culinárias, o lugar onde parece ter aparecido e se desenvolvido o delicado costume dos mezze.
Muitas fontes parecem concordar que mezze seria uma seleção de aperitivos ou pequenos pratos que serviriam para iniciar uma refeição. Não se sabe ao certo a origem do termo, talvez derive do persa, significando prova, no sentido de experimentar. O fato é que a idéia, o conceito de mezze é recorrente em vários países e culturas, sobretudo aqueles que são tocados pelas águas do Mediterrâneo: Líbano, Síria, Turquia, Grécia, Macedônia. Em todos esses países e mais alguns o costume de servir pequenos e múltipos pratos acompanhando a bebida é parte fundamental de uma refeição.
Em alguns lugares, mezze é uma experiência em si, uma sinfonia de pequenas porções que se seguem e não apenas a introdução de um jantar. Há quem os aproxime aos tapas espanhóis, ou aos antipasti italianos, mas também há quem desafie essas afinidades julgando o mezze filosoficamente diferente desses dois.
Mais que saber se mezze são aperitivos ou uma refeição completa, se são como tapas ou se parecem mais aos smorgasbord, para mim, a importância e todo o sabor dessa forma de comer é social. Quando eu imagino uma mesa de mezze eu vejo não só a comida, mas os braços cruzando a mesa, indiferentes a toda etiqueta, para alcançar um prato de lulinhas grelhadas, uma porção de picles e azeitonas, eu vejo as mãos passando o pão para ser molhado no azeite, eu escuto as risadas e o cintilar das taças. Esse é o verdadeiro espírito do mezze, um contraponto ao standard europeu de cada um com o seu prato, cada um com a sua entrada. Compartilhar o que está sobre a mesa, no sentido mais literal.